Excerto de “Debaixo do Vulcão” de Malcolm Lowry

A povoação encontrava-se agora quase à sua direita e num plano superior, pois Laruelle fora descendo gradualmente a encosta, logo que abandonara o Casino de la Selva. Do campo, que atravessava, distinguia, acima das árvo¬res da falda do monte e para lá da massa negra e acastelada do palácio de Cortez, a roda da Feira, que ia girando vagarosamente, já iluminada, na pra¬ça de Quauhnahuac; pareceu-lhe ouvir sons de risadas do povo, subindo das gôndolas brilhantes, que compunham a roda e, igualmente, a embriaguez, amortecida pela distância, de vozes cantando, atenuando-se e morrendo nas asas do vento, até que deixavam de se ouvir. Uma lânguida melodia ameri¬cana – os Blues de S. Luís – ou outra semelhante, vinha, atravessando os campos, afagar-lhe os ouvidos; era uma doce baforada de música, de mistu¬ra com o esfuziar de vozes joviais, que mais parecia embater de encontro às muralhas e às torres dos subúrbios do que espedaçar-se nelas; depois, com um gemido, deixava-se tragar pela distância. Achou-se, a certa altura, na rua estreita, que, afastando-se para os lados da fábrica de cerveja, ia dar à estra¬da de Tomalín. Chegou, assim, à estrada de Alcapancingo. Ia um carro a pas¬sar e, enquanto voltava a cara, à espera de que a poeira assentasse, lembrou¬-se do tempo em que, passeando de automóvel com Yvonne e o Cônsul, ao longo da margem do lago mexicano, que fora outrora a cratera de um enor¬me vulcão, viu, de novo, o horizonte, meio diluído na poeira, os autocarros passando com um silvo, por entre remoinhos de pó, rapazes de pé, nas tra¬seiras das camionetas de carga, tremendo com as vibrações da marcha, segurando-se com todas as forças, com os rostos ligados por causa da poei¬ra (havia naquilo uma certa grandeza, eis o que ele sempre pensara: um sim¬bolismo em relação ao futuro, para o qual um povo heróico realizara uma preparação verdadeiramente grandiosa, uma vez que por todo o México se viam aqueles camiões estrepitosos transportando jovens construtores, erec¬tos, de calças fustigadas pelo vento e pernas bem abertas e firmemente plan¬tadas) e à luz do Sol, no monte arredondado, a solitária faixa de poeira avan¬çando, os montes enegrecidos pelo pó junto do lago, como ilhas açoitadas pela chuva. O Cônsul, cuja velha casa Laruelle distinguia na encosta, para lá do barranco, parecera-lhe então suficientemente feliz, quando vagueava em torno de Cholula, terra de trezentas e seis igrejas e duas barbearias – a Toilet e o Harém – e quando, mais tarde, subira a pirâmide arruinada, que ele soberbamente insistira em considerar o original da torre de Babel. Por que forma admirável lhe escondera o que deveria ter sido então a Babel dos seus pensamentos!
Dois índios esfarrapados vinham a aproximar-se por entre a poeira. Dis¬cutiam, com a profunda concentração de dois professores universitários, que, à luz do crepúsculo estival, andassem a flanar pela Sorbonne. As suas vozes, os gestos das mãos sujas, mas de talhe aristocrático, eram incrivel¬mente corteses e delicados. O porte de ambos sugeria a majestade dos prín¬cipes astecas; os rostos, trigueiros; esculturas das ruínas de Yucatecão:
– Perfectamente borracho .
– Completamente fantástico .
– Sí, hombre, la vida impersonal …
– Claro, hombre …
– Positivamente!
– Buenas noches.
– Buenas noches.

[Malcolm Lowry, Debaixo do vulcão, Relógio D’Água, pp. 26-27]
Esta entrada foi publicada em Artes. ligação permanente.

Deixe um comentário